Opinião

Resistência aos antimicrobianos ameaça vidas em escala epidêmica

Por Pedro E. Almeida da Silva
Professor Titular da Furg, Bolsista de Produtividade do CNPq

A expectativa de vida da população mundial dobrou em pouco mais de um século. Em 1900, a esperança média de vida de um recém-nascido era de 32 anos, contrastando com os 71 anos registrados em 2021. Esse notável aumento é resultado da ampliação do acesso à água potável e saneamento básico, cuidados neonatais, a introdução de antimicrobianos e vacinas para tratamento e prevenção de doenças infecciosas, melhoria no diagnóstico, qualificação de cuidados paliativos, melhora das moradias e condições de trabalho, aumento na produção de alimentos, entre outros.
Dentre esses progressos, os antimicrobianos são aqueles que têm maior probabilidade de tornar-se obsoletos. A descoberta e a introdução do Salvarsan em 1910 e da Penicilina em meados da década de 1940, foram seguidas da inserção de vários outros antimicrobianos na prática médica, permitindo a cura de diversas doenças infecciosas até então mortais para a maioria dos doentes.

No entanto, a euforia inicial deu lugar à preocupação com o surgimento de infecções causadas por microrganismos resistentes aos antimicrobianos. Embora eficazes, ficou claro que os antimicrobianos não eram soluções infalíveis e que poderiam tornar-se obsoletos devido à resistência gerada pelos microrganismos.

Atualmente, a resistência aos antimicrobianos é um enorme desafio global, resultando na morte diária de 11 mil pessoas. Em 30 anos, a resistência aos antimicrobianos poderá ser responsável por dez milhões de mortes anuais em todo o mundo, superando os óbitos relacionados a todos os tipos de câncer.

Este fenômeno é parte do processo evolutivo e adaptativo dos organismos vivos e é inequivocamente impulsionada pelas ações humanas. Mudanças climáticas, poluição com metais pesados e agrotóxicos, uso indiscriminado para a produção de proteína animal, descarte inadequado, tratamento precário dos esgotos e águas residuais, irracionalidade na prescrição, ausência de programas e estratégias de vigilância em conjunto com um conhecimento precário dos fatores que predispõem a seleção de microrganismos resistentes, compõem um mosaico onde o homem é o protagonista principal, sendo simultaneamente causador e vítima do problema.

A falta de interesse na pesquisa e desenvolvimento de novos antimicrobianos, por parte das grandes empresas farmacêuticas, agrava esse problema. Programas de inovação e desenvolvimento de antimicrobianos foram desativados devido à dificuldade em obter novos compostos e à preocupação de que esses produtos não apresentem o retorno financeiro desejado. O aumento das taxas de resistência aos antimicrobianos em paralelo com a redução da disponibilidade destes medicamentos é uma previsível tempestade perfeita.

A mitigação da resistência aos antimicrobianos requer uma abordagem abrangente. O aprofundamento do conhecimento sobre esse fenômeno, sob uma perspectiva de saúde única, aliado ao aumento da conscientização por meio da educação, aprimoramento das estratégias de vigilância em saúde e ambiente, adoção de inovações tecnológicas na área da saúde, desencorajamento do uso indiscriminado de antimicrobianos na produção de proteína animal e a ampliação significativa da cobertura vacinal emergem como alicerces cruciais. Somente com esforços coordenados nesses diversos fronts podemos aspirar a prevenir o sombrio cenário de um mundo sem antimicrobianos.

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